domingo

A omissão deliberada do presidente Lula

*Lucia Hippolito

A sessão de ontem no STF serviu para refrescar a memória de muita gente a respeito do escândalo do mensalão.


Mesmo quem, como eu e muitos, tinha relido com atenção as 136 páginas da denúncia do procurador-geral, além das conclusões da CPMI dos Correios, assustou-se com a consistência do esquema descrito em detalhes ontem.

A expressão cunhada pelo procurador-geral, de uma “sofisticada organização criminosa”, retrata bem o que se passou e, pior, o que poderia ter continuado a se passar, não fosse o estouro do esquema.

(É sempre um dos “de dentro” de detona um esquema desses. Nem a imprensa, nem uma CPI, nem ainda a polícia poderiam ter chegado à riqueza de detalhes do mensalão, não fosse a denúncia de um dos principais envolvidos, o então deputado Roberto Jefferson.)

Depois daquela leitura, volto a dizer, assustadora, pode-se chegar à conclusão de que se tratava mesmo de uma verdadeira camarilha bolchevique que tomou de assalto o Estado brasileiro, loteou a administração pública entre os aliados e perverteu as votações no Legislativo, através da compra de deputados pela prática do mensalão.

Tem mais: depois de tudo isto, fica ainda mais difícil concordar com a tese de que o presidente da República não sabia de nada. Ainda mais tendo em vista suas históricas e íntimas relações com o núcleo central dos indiciados.

Quando as primeiras denúncias sobre o mensalão começaram a aparecer, ainda era possível sustentar que o presidente Lula não fazia a menor idéia do que estava acontecendo.

Mas diante da avalanche de evidências, já não era mais tão certo que o presidente não soubesse de nada.

Foram montanhas de dinheiro que passaram pelas contas do publicitário Marcos Valério e pagaram todo tipo de serviço, desde campanhas eleitorais, passando por honorários de advogados, despesas com publicidade na campanha presidencial de 2002 e em campanhas para prefeito em 2004, até hotéis de luxo, aluguel de jatinhos, festas em suítes presidenciais, garotas de programa, charutos cubanos, alfaiates caros, jóias, apartamentos, fazendas. A lista não tem fim.

Na lista dos envolvidos, embora houvesse muita gente dos partidos da base do governo, a maioria era do PT – nem todos foram indiciados pelo procurador-geral.

Por mais que Lula tente parecer independente do partido, foi seu fundador, é seu símbolo maior. E mais: Lula foi funcionário remunerado do PT durante muitos anos.

Não é crível que não soubesse das estripulias de seus companheiros mais próximos.

Simplesmente, Lula optou por não saber. E não é de hoje.

Luiz Inácio Lula da Silva jamais se interessou em saber a origem dos recursos que pagavam suas despesas, suas viagens, suas campanhas eleitorais, suas caravanas pelo país afora, antes de assumir a presidência da República.

Pelo visto, Lula nunca se preocupou com esses detalhes. Afinal, ele achava que tinha uma missão muito mais importante.

Num indivíduo, pode-se tolerar tamanho descolamento da realidade. Mas num presidente da República é uma atitude inaceitável.

Então o presidente não sabia que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, despachava com empreiteiros dentro do Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo da República?!

Então o presidente não sabia que o secretário-geral do PT, Silvio Pereira, despachava dentro do Palácio do Planalto, sede do Poder Executivo da República, nomeando aliados para cargos públicos, selecionando currículos(?) de companheiros para os mais de 20 mil cargos em comissão?!

Então o presidente não sabia que seu chefe da Casa Civil se reunia com dirigentes do PT e de outros partidos para lotear a máquina pública, dentro do Palácio do Planalto?!

Desde aqueles meses terríveis do mensalão, a estratégia de defesa montada para o presidente Lula pelo então ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos (excelente advogado criminalista), foi: “não sei de nada, não vi nada, não fui informado de nada”.

Do mensalão, passando pelos “aloprados” que queriam comprar um dossiê contra tucanos, chegando até mesmo ao caos aéreo, Lula repete o mantra soprado por Marcio Thomas Bastos.

Ele não sabe da nada, nunca soube de nada.

E tem obtido enorme sucesso.

O que não o exime de responsabilidade. Omissão deliberada também pode configurar crime.

*Lucia Hippolito é cientista política, historiadora e jornalista, especialista em eleições, partidos políticos e Estado brasileiro.

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